quinta-feira, 4 de março de 2010
São Carlos
Ele ficava sempre na esquina da Catedral, um breve oásis antes da ladeira mais íngreme de meu caminho pela avenida principal de São Carlos. Sempre simpático mas nunca sorrindo, vendia amendoim ou coco caramelado cortado em pequenos cubinhos, que embalava conscienciosamente em saquinhos plásticos longos e delgados. Eu nem sempre tinha os trocados necessários, mas sempre reduzia o passo, desejoso... O cheiro que me despertou essas lembranças vem de uma esquina apinhada, onde a fuligem dá aos doces expostos o sabor peculiar da comida de rua em São Paulo. "Quem vem de um outro sonho feliz de cidade" aprende a amar essa balbúrdia de buzinas e possibilidades. Na cidade onde cresci, carregando meu violão avenida acima, já pensava em vir para cá, e não via grande ameaça nesta terra que meus irmãos já haviam desbravado. Com a inocência arrogante de meus 18 anos recém-completos, achava que a cidade seria uma passagem, uma etapa a cumprir entre o estudante e o profissional; ela não reclamou, simplesmente me acolheu e começou seu insidioso trabalho de me transformar em alguém na vida. Caminhando hoje pelas ruas de São Carlos, paro em uma praça muito querida, vigiada pela fachada austera de meu antigo grupo escolar, e me divirto vendo o tráfego em mão única e os parquímetros sofisticados. Orgulho-me dessa recém-assumida vocação tecnológica, celeiro de empresas e talentos, mas sei que essa cidade que não é mais a minha. Minha cidade são as lembranças tingidas de azul de tardes preguiçosas, de jaboticabeira e gibis, de tarefas de gente grande e mimo de criança. Mas a cada camada de lembranças relevantes cuidadosamente escolhidas sobrepõem-se novas escolhas, outros lugares, outras experiências, fundidos em uma perspectiva toda minha. Apegando-me ao que há de melhor em cada cidade, escolho ser um estrangeiro nas duas; escolhendo o que cada memória me traz de melhor, abro minha mente para o mundo.
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Cara, eu também tenho muitas saudades de São Carlos.
ResponderExcluirEstudei lá nos anos 60 , colégio Diocesano.
Grande abraço !
Roberto.