domingo, 14 de março de 2010

Escrever só é bom para ler depois

Já li muitos escritores dizendo que adoram escrever, que o processo é o que mais lhes dá prazer e que dificilmente releem seus textos. Entendo isso; há pessoas que gostam de jogos, de resolver enigmas, e escrever às vezes é isso: um grande quebra-cabeças. Vide Anne Sexton, que criava estruturas e regras mais e mais difíceis para a construção de seus poemas; vide Chico Buarque com seus palíndromos insones. Eu, o que eu gosto é ler depois. Não fosse pelo prazer de ler, não sei se me entregaria ao árduo esforço de ordenar palavras elusivas, comandar frases rebeldes e moldar significados. As histórias que escrevi até hoje são as que queria ler e não existiam e as ideias que registro aqui são as que gostaria de ler e de ver com mais frequência. Meu prazer é o texto que funciona, que respira ante meus olhos. O processo de construção é árduo, pois interrompe e adia minha leitura; a revisão é obsessiva na medida em que os erros, os trechos truncados, toldam a visão do que interessa, turvam o texto que quero transparente. Isso não quer dizer que esteja escrevendo para mim mesmo. Escrevo como quem compra para um amigo o presente que gostaria de ganhar. A diferença é que, espertamente, sou o primeiro a desfrutar.

Um comentário:

  1. A diferença é que você tem a coragem de assumir que gosta de presentear, o que a maioria das pessoas talentosas e rigorosas evitam fazer.
    Fico feliz que o bom e o velho Roger que conheci nos tempos da faculdade continua aí.

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