sábado, 18 de setembro de 2010

Cena: recreio

— Ih, você viu o Branco, se ferrou!
— Putz, é mesmo, apanhou da velha!
— A velha é f..., bate mesmo! Num é à toa que ela deixa aquele Lapizinho de Itu pendurado na lousa. Outro dia o Gu e o Bola tavam conversando e ela foi pra cima deles com aquele cacete!
— E ela bateu?
— Não, parou antes, só gritou com eles, mas eles ficaram se borrando. Acho que apanhar, mesmo, só o Branco.
— Mas o que ele estava fazendo? Ele nunca faz nada!
— Num sei, só vi quando ela veio batendo o pé e virou um tapão na cara dele. Ele ficou todo vermelho, do tapa e de vergonha. Ô Nico, vem cá! O que teu primo tava fazendo que a D. Celina bateu nele?
— Você não lembra que a gente estava sorteando os nomes para o amigo secreto? Então, o Roberto Magaldi olhou para trás e viu o nome dele no papelzinho. Aí ele falou alto "Aí, Branco, você me tirou!"
— Putz, que azar! Se fosse eu, virava um soco no Betão pra ele deixar de ser besta.
— Ô, se virava, e ele ia te pegar na saída e te matar. Ele só releva o Branco, num sei por quê. Seu primo tá namorando o Betão, hein, Nico.
— Vai se ferrar, Paulo.
— Sério, o Betão sempre pega no pé de todo mundo, mas fica todo protegendo o Branco.
— No começo do ano ele ficava provocando, mas o Branco nem respondia. Quando o Roberto veio pegar ele na saída o Branco parece que nem entendia o que estava acontecendo, ficou só olhando pra cara dele.
— É mesmo, o Betão falou que só num quebrava a cara dele porque tinha dó, mas depois ficou protegendo o Branco. Pô, o Branco é maior que eu! Só apanha mesmo é da Celina.
— Ela também não deu um chute nele no começo do ano?
— Num foi chute, ela deu um trompaço nele, que ele foi bater na parede e caiu sentado na cadeira! Quem mandou ele levantar?
— Ah, é, foi quando a gente estava dobrando cravos de crepom para o dia das mães. Ela só deixava as meninas abrirem os cravos, a gente ficava só dobrando que nem besta. Eu também queria ver como abria, mas a velha é f..., eu é que não ia levantar para ver, mas o Branco é curió!
— Se ferrou!
— Mas você viu, ele não abriu a boca! Sentou e ficou lá, inteiro vermelho, até passar.
— Pô, se fosse comigo ela ia se ver com o meu pai!
— Úú, ele ia ficar chorando pro papai e pra mamãe.
— Vai se ferrar, babaca.

Foz do Iguaçu

Aceitou a ajuda do carregador para levar as malas porque a escada do hotel era íngreme e as malas estavam pesadas, mas a lerdeza do homem a exasperava.
"O parque fecha às cinco", disse ao companheiro, que subiu com sua própria bagagem.
Estavam cansados da viagem. Dez horas até São Paulo, espera no aeroporto, mais duas horas até Foz, espera pelas malas, táxi até o hotel antiquado. Esperava mais de uma cidade turística, algo como os hotéis do Rio, mas a cidade parecia ter parado em algum momento da década de 80.
"To the falls", soprou ao taxista, que entendeu a mensagem, costurando pela rodovia das Cataratas e deixando-os na entrada do parque. Não percebeu que pagava mais por ser estrangeira, mas não se importaria. Seus conhecimentos de espanhol não ajudavam muito, mas era fácil entender para onde ir e o que fazer; era só seguir os outros turistas. No caminho, foi se lembrando de sua visita a Niagara Falls, de como é impressionante aquela imensidão de água rugindo e fluindo, inesgotável, lembra da sensação de abismo, de vertigem que a queda lhe deu. Não podia vir a Foz e perder a oportunidade de comparar a experiência. Não trouxe câmera; confia em sua memória.
Ela se apressa pela trilha bem-calçada que serpeia por entre as árvores, mas um bando de quatis, atravessando o caminho, a paralisa. Os outros turistas se deleitam com a visão, mas ela conhece bem os perigos de perturbar animais selvagens. Por sorte, os animais logo desaparecem e ela pode voltar a perseguir o rugido. As cataratas logo se exibem para ela, em dezenas de quedas do outro lado do cânion. Muito bonita, pensa, mas não é tão impressionante. Prossegue no caminho, para chegar mais perto. À medida que caminha, outras visões das cataratas lhe sugerem que ainda não viu nada. Sem perceber, caminha cada vez mais rápido pela trilha, absorvendo a paisagem cada vez mais complexa que se lhe oferece. Quando finalmente chega ao observatório, já não acredita no que vê. Ao seu redor, centenas de cachoeiras se derramam infinitamente em diversos níveis, uma catedral aquática esculpida pelo acaso. Sem se importar com a chuva que as quedas provocam, embrenha-se pelas passarelas e não consegue conter o choro ao se ver no meio de tudo aquilo. Sente-se tão pequena, tão pequena, mas ao mesmo tempo cheia de vida, possuída que está por uma natureza tonitruante e generosa.