segunda-feira, 24 de maio de 2010

If tomorrow never comes II

Mas o que realmente me lembrou esse disco agora foi a canção "If tomorrow never comes". Não importa que na canção o personagem esteja falando de seu parceiro, mas o que ele diz. Se não houver amanhã, se um de nós não estiver mais aqui, o outro saberá o quanto o amávamos? O amor que lhe dedicamos é suficiente para durar? Por mais que tenha visitado meu pai tantas vezes e me sentado a seu lado para assistir a seu programa favorito, será que foi suficiente para lhe mostrar o quanto o amava? Para lhe mostrar que agora, adulto, conseguia entendê-lo e percebia o quanto do que eu era vinha dele? Quando ele se foi, fazia semanas que não falava com ele pessoalmente, adiava as visitas por pressões de trabalho e tentava fazer de conta que não era verdade o que eu já sabia: que ele estava indo embora. No fim, eu poderia até me consolar, egoísta, em poder lhe dizer adeus, em poder lhe dizer pela última vez que o amava, e que ele era importante, e que ele fora um pai de verdade, o melhor do mundo; mas já era tarde demais. Seu coração batia, mas ele já não estava lá.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

If tomorrow never comes I

Quando Renato russo lançou seu Stonewall cellebration muito se comentou sobre a maneira como ele assumidamente transformava as letras para falar de outro homem. Felizmente, as críticas positivas quanto à qualidade musical do disco superaram um certo ranço homofóbico da época. Exceto por 'aqueles teclados', é um disco cuja qualidade ainda me espanta. Renato cantava o que gostava, e escolhia letras que expressavam o que sentia. Não tinha medo de soar kitsch e o exagero era parte essencial de sua expressão. Ouça seu "Somewhere" e entenda.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pobres analistas II

O Daniel San tinha analista? E o Rocky Balboa? O Luke Skywalker? E o Harry Potter, deita-se no divã de algum bruxo psicólogo? Ou você acha que eles não precisam disso porque são pessoas de ação? Isso nos leva a uma outra obsessão do cinema americano; a jornada do herói (divulgada de maneira tão didática por Joseph Campbell e empregada a posteriori por George Lucas). O herói não tem analista porque tem mestre. Senhor Miyagi, o treinador, Yoda, Dumbledore... todos desempenham a mesma função. E qual seria essa função? A de dar uma direção às vidas dos pobrezinhos. Todos esses heróis começam suas jornadas como pessoas atormentadas, pois não se encaixam no ambiente mesquinho onde foram criados, essa 'impertinência' os torna rebeldes ou deslocados.
Na aldeia, onde a vida de todos segue o mesmo rumo e não há perturbação da ordem, os jovens destrambelhados são orientados pelo feiticeiro, pelo pajé, pelo cura, pelo ministro. Essas figuras paternas, mais ou menos assustadoras, assumiam seu alter-ego de superego e aspergiam paz de espírito mostrando que a vida é assim mesmo, porque os espíritos/os deuses/Deus assim designaram. O certo e o errado era claro e não havia exemplos diferentes. O desvio era ruim e pronto, punido com a morte, com a humilhação ou com umas boas palmadas. Era fácil conformar-se e ser feliz com sua vidinha, pois não havia nada melhor à vista, não havia por que se rebelar. Os poucos mais brilhantes iriam se refugiar nas poucas funções artísticas ou de liderança disponíveis e se destacariam dentro de padrões estabelecidos.
Nosso herói deslocado é aquele que busca algo além da experiência de seus pares, que descobriu ou intuiu que há algo além da satisfação frugal de sua mesa cotidiana. Mas a realização de seus desejos/pulsões/missões depende de se livrarem de sua casca velha, para poderem expandir seu universo e alcançar uma compreensão melhor de seu mundo e dos mundos que o cercam. Sabem, no entanto, que ao irromper sua casca protetora vão se ofertar, tenros e frágeis, às críticas dos antigos pares, dilacerando-se por antecipação. Quando conseguem vislumbrar o caminho a sua frente, enchem-se de coragem, enfrentam as intempéries e se fortalecem em suas novas dimensões e perspectiva. Sem o mestre para guiá-los, no entanto, vão se encolher, escusos, em suas antigas carapaças.
Os normais neuróticos da vida moderna tentam encontrar a abençoada organização da aldeia em um mundo sem regras claras; onde milhões de devotos de várias religiões diferentes se proclamam os únicos que estão certos, atestando assim que todos estão errados; onde os caminhos são tantos e tão potencialmente aceitáveis que surge a necessidade de criar regras para garantir a segurança. Guetos autoimpostos dão a seus prisioneiros a sensação de pertinência que lhes falta, limitando artificialmente seu universo em um micromicrocosmo em que podem se sentir 'contentes' em sua mediocridade. Nessas condições, já não deveria haver necessidade de mestre, pois os caminhos estão abertos, mas a programação social e familiar nos impede de aceitar a liberdade, ou, aceitando, de entender o limite da falta de limite. Faltando-nos a capacidade bovina de nos conformar com a primeira forma que nos é oferecida, também nos falta a habilidade taurina de cavar nossa própria arena, levantando poeira e lutando segundo nossas próprias regras.
Nossos pobres analistas, em seus múltiplos disfarces, vão nos resgatar do beco, de cima do muro, da zona morta de quem não consegue ficar nem ir. Ouvindo freudianamente, fazendo cortes lacanescos ou fechando o círculo, contando histórias como um avô à beira do fogo, lançam fachos de luz para possíveis realidades que podemos escolher como nossas e em que nossas manias façam sentido. Enquanto não escolhemos alguma dessas janelas e não nos decidimos a saltar, são necessários. Mas sempre há alguns que começam a entender que o local onde preferem viver está pronto e mobiliado dentro de si mesmos, qualquer que seja o ambiente externo, e que podem conviver com qualquer natureza e falta dela porque seu universo é individual mas todo-inclusivo. E nossos pobres analistas acabam ficando de lado, dobrados e guardados no armário de brinquedos como um cobertorzinho de pelúcia azul.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Pobres analistas I

Acho curiosa a fixação dos roteiristas americanos por analistas, só superada pelos julgamentos. Em inúmeros enredos o analista assume uma dimensão mítica, de mestre espiritual, enquanto em outros envolve-se na ação. Vêm à memória o analista vivido por Robin Williams em Gênio indomável, que usa a empatia para mostrar o caminho a alguém capaz de perceber a manipulação. Também gosto do analista transformado em gourmet de Sem reservas, cuja função básica é, assumidamente, forçar a protagonista a mudar seus padrões estabelecidos, tarefa mais difícil para o shrink intransigente de Melvin Udall em Melhor impossível. Na série Monk, o analista tem função preponderante, dada a natureza do herói, mas nos poucos episódios que assisti me chamou a atenção por ser o único personagem crível de uma série de personagens unidimensionais e caricatos.
E é claro que são alvo de sátira (não, não vou mencionar o analista de Bagé! Ih, já mencionei...). Um palestrante motivacional disse uma vez que "terapia só serve para você assumir que seus pais foram realmente culpados por tudo, entendê-los e fazer as pazes com isso". Sempre me lembro da tirada em Crocodilo Dundee em que alguém explica ao 'sensível' caçador por que vai ao analista e ele diz "Ah, você não tem amigos, não é?" Pensando bem, ele tem sua razão. Um amigo de verdade elimina grande parte da necessidade de um analista. Até porque após alguns meses de sessão muitos analistas acabam virando 'amiguinhos' que recebem para deixar você passar uma hora inteirinha falando só de você. O pior é que às vezes se esquecem disso e começam a falar deles, contando histórias que não têm nada a ver com seus problemas! Desaforo!
OK, analistas sérios vão se arrepiar por eu dizer isso, mas ora, tem picareta em qualquer área. E, como e qualquer área, os grandes profissionais são poucos e a maioria tem de se virar com os 'maomeno'. A boa notícia é que para nós, meros neuróticos (como me explicou uma amiga, neuróticos somos todos nós, em maior ou menor grau; os diferentes são os psicóticos), os riscos de uma terapia assim assim não são tão grandes, e sempre há melhora, por pior que seja o profissional (pelo menos no começo). Minha teoria para isso deriva da administração: quando você pega uma empresa mal administrada, bagunçada, qualquer pessoa de fora com o mínimo de bom senso pode fazer melhorias (tira essa máquina do caminho, registra os pagamentos, cobra os débitos, coisas assim). Melhora-se muito e rápido, mas depois de certo ponto surge uma estagnação. A partir daí, só um consultor realmente bom vai dar jeito.
Várias pessoas que conheço pararam suas terapias porque começaram a perceber que seus analistas não eram inteligentes, ou cultos, ou informados o suficiente. Fico imaginando que o analista do Woody Allen deve ser um gênio, ou então deve só ouvir, fazendo um aparte a cada 40 ou 50 sessões... Humm, boa estratégia.
Mas... para que serve mesmo a terapia?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Interlúdio doméstico

Ela não gosta de arrumar a cama (quem gosta?) e sempre me chama para ajudar. Quando chego para 'ajudar', ela vai fazer outra coisa e me deixa arrumando sozinho. Hoje não caio nessa e ela vem me atazanar, graciosamente, fazendo piadinhas ou simplesmente cócegas. Estou começando um post aqui, ouvindo meu Beethoven mono no fone de ouvido (não é o fone de ouvido que é mono, sou eu) quando ela perguntou por que nunca escrevi um post sobre ela. Disse que meu blog não é sobre assuntos familiares, mas então ela se sente ignorada e começa uma conversa consigo mesma:
"Sabe, meu avô teria um blog." "É mesmo? Por quê?" "Ora, ele escrevia um diário, o blog é a versão moderna de um diário." "É mesmo?" e por aí vai...
"Você é engraçada", disse a ela. "Chatinha, mas engraçada."
"Ah, quer dizer que você não vive sem mim?"
"Não disse isso!"
"Então você vive sem mim?"
"Vivo, ué, mas só se precisar, não disse que é o que eu quero!"
"Você é horrível, odeio você!", diz, e sai batendo a porta do quarto.
Trinta segundos se passam.
"Vem me dar beijinho de boa noite?" ela mia de lá.
"Não", eu digo. E vou.

domingo, 9 de maio de 2010

Alegria ou felicidade

O que mata aqui é o verbo que vai junto: ser ou estar. Você pode dizer que está alegre hoje, mas não deveria dizer que está feliz. Felicidade é uma condição; alegria é um estado, passageiro por definição. Você pode sair alegre do cinema, mas continuar sofrendo em uma vida para a qual não vê sentido. Mas você pode estar triste por alguma coisa e continuar com sua vida e voltar a se sentir bem. Mas qual é a diferença? Se você está sempre alegre, não quer dizer que é feliz? Até pode ser, mas vejamos: primeiro, ninguém está feliz o tempo todo, nem o poodle da vizinha. Em segundo lugar, felicidade é algo que só se constata a posteriori, quando se tem alguma perspectiva sobre os eventos e situações. É por isso que não existe adolescente 'feliz'; eles podem até estar alegres grande parte do tempo, quando podem fazer só o que querem, mas sempre se sentem as piores criaturas do planeta porque não conseguem enxergar suas vidas em perspectiva.
Para mim, felicidade é um estado de espírito que permite olhar para trás em qualquer momento de vida e pensar: "OK, não é fácil, mas vale a pena." Não vamos conseguir mudar o mundo, nem temos voz sobre a maioria das coisas que nos acontecem, mas entendemos e nos permitimos aproveitar o que há de bom, em vez de remoer o que há de ruim.
Gosto de um verso de uma música ruim do Renato Russo em que ele diz que "hoje a tristeza não é passageira". É assim mesmo, às vezes não queremos que ninguém venha dizer que vai passar, para não ficar assim. Temos direito à tristeza, a lamentar o que perdemos ou o que nunca foi nosso. Mas cada um tem uma obrigação consigo mesmo de poder sentar ao sol do início de inverno, relaxar e, num sorriso quase imperceptível, sentir-se inundar do prazer de estar vivo...