segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Leituras de infância

Filtrados pelas lentes da nostalgia, os fatos do passado muitas vezes se distorcem até formar uma realidade alternativa. O mesmo acontece com as memórias do que lemos, ouvimos ou assistimos. Não raro nos decepcionamos ao rever um filme de que tanto gostávamos, uma música que repetíamos sem parar ou um livro que nos absorveu irremediavelmente. Em outros casos, apreciamos com uma nova profundidade a mesma obra, aumentando ainda mais nossa admiração. Mas há casos em que somos incapazes de analisar racionalmente, pelas associações com o passado e, porque não dizer, por amor. Se alguém me perguntar se Rick Wakeman era um bom compositor, não saberei dizer, pois não quero aplicar a ele meus conhecimentos musicais; meu amor por sua música ficou tão associado a momentos de minha infância que ele não pode ser questionado nem por mim mesmo. Outra obra que surte esse efeito em mim são os livros de Edgar Rice Burroughs, especialmente os de Tarzan. Comecei a lê-los aos sete anos, e antes dos 12 já havia relido meus favoritos pelo menos cinco vezes. Como ficção popular, os livros de Burroughs sempre estiveram acima da média, nas nunca almejaram ser mais que isso. A maioria dos personagens coadjuvantes é unidimensional, e a lógica dos acontecimentos nem sempre parece natural, ficando por vezes visíveis os fios do autor. Mas esses clássicos juvenis exsudam um vigor narrativo e uma criatividade que superam o kitsch de alguns de seus parágrafos. Mesclando o esforço para conferir realismo a sua descrição da selva e de seus habitantes a concepções fantasiosas sobre a inteligência dos animais, Burroughs cria um universo fantástico que não deve nada aos dos atuais bruxos e vampiros, tão em voga. Sendo o autor fruto de sua época, alguns preconceitos se filtram em seus comentários, mas uma crítica constante à arrogância das classes dominantes e personagens fortes de todas as raças e credos evidencia sua preocupação democrática subjacente. Seus personagens demonstram uma honra cavalheiresca por vezes antiquada, mas na selva, onde a vida não vale mais que uma refeição, a fina camada de verniz dá lugar à lei do mais forte. Em meio à diversão das inúmeras reviravoltas e surpresas, um senso de ética e responsabilidade é estabelecido, mas não como norma, e sim como a escolha de quem tem consciência de seu poder, mas escolhe ser humilde e gentil. Não é pouca coisa...

Um comentário:

  1. Vc esqueceu de mencionar a "vaca voadora' rs eu também me lembro desta na sua estante. hehehe

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