sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Mais vale um sorvete na mão

"Deixa eu ir junto", gemia o menino.
"Você não pode ir, a gente logo volta, fica com seu irmão".
"Não, me leva", manhava ele.
O pai começou a calcular o tempo que ia demorar para convencer o menino. Se tivesse que endurecer ia ser pior, pois aí ia ter que dar sermão, deixar de castigo, e iam perder a hora do mesmo jeito.
"Olha, você pode comprar um sorvete. E logo vai começar a Disneylândia! Se você for, vai perder!"
Parou de miar por dois segundos. Disneylândia era bacana, tinha o Pato Donald.
"Dá dois sorvetes, então?" gemeu.
"Vamos, então", disse a mãe, prática. "Você pega os sorvetes e volta para casa."
A sorveteria, recém-inaugurada, funcionava em uma saleta a dez passos de casa, mas ele não podia ir lá sozinho. Precisava usar as mãos para subir os dois degraus desmesuradamente altos.
"Um de morango e um de chocolate", sentenciou. Na saída, já não tinha olhos para mais nada. Desceu os dois degraus pulando com os pés separados, para não perder o equilíbrio, e foi andando para casa, lambendo ora a casquinha da esquerda, ora a da direita, sob o olhar divertido dos pais, que se apressavam para seu compromisso.
"Oba, me dá um!" disse o irmão, assim que o viu.
"É meu, a mãe comprou pra mim! E é pra ligar na Disneylândia!"
"Ah, só uma lambidinha, depois eu devolvo!"
"Tá, mas liga a Disneylândia!"
Sentou na sofá, absorto com o Prof. Ludovico, que tinha um sotaque engraçado e falava coisas que ele não entendia.
"Vamos trocar, agora? Deixa eu experimentar esse."
Não havia se dado conta que o irmão tinha dez anos a mais de boca, e o sorvete que voltou era quase só casquinha.
"Você comeu tudo!" reclamou, mas não queria perder o desenho para brigar.
Mas o prof. Ludovico já se despedia e a música de encerramento começava. Olhou para o lado e já não viu o irmão.
Sentiu-se sozinho, injustiçado, mas não havia ninguém para quem chorar. Desligou a televisão e foi folhear seus livros.

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