sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Gavetas

Sou apegado a um dos discos menos brilhantes dos Paralamas, em que o Herbert canta "Hoje já joguei tanta coisa fora... Cartas e fotografias... A casa fica bem melhor assim...". Ao fazer a separação pós-mudança do que fica ou não fica, encontrei as cartas e fotografias de um amigo muito querido, de quem me afastei, ou nos afastamos mutuamente... Em vez de jogar fora fotografei-as, tentando dar algo de atemporalidade a sonhos e perspectivas que já não existem.
Fiquei pensando no motivo de termos nos correspondido tanto durante o período em que ele estudava fora, mas depois de sua volta a proximidade não nos fez íntimos. Pelo contrário, fomos compartimentalizando nossas conversas, cada um perseguindo separadamente suas conquistas e guardando pequenas mágoas e decepções, que acabaram por se acumular.
Lembro-me de ter lhe enviado uma fita com minha seleção (até hoje) favorita da Nina Simone, e de ele me devolver a letra transcrita, como que adivinhando que precisava do bom ouvido dele para o inglês para dizer: "don't let me be misunderstood'.
É que sem explicar, sem falar, o entendimento não vem, e até me surpreendo por termos continuado amigos por tanto tempo com tanta coisa mal explicada. Ele, sempre aberto, às vezes ofensivo em suas opiniões, mas eu normalmente fechado, exceto pela eventuais tiradas que não me deixavam parecer tão chato... Por muito tempo, acho que ele desconfiava de um relacionamento meu com a namorada, que deixou aqui junto com minha amizade; não desconfiaria se realmente me entendesse, se enxergasse minha retração e minha lealdade. E, se não entendia minha boa intenção, também não percebia que havia mais que amizade em minha proximidade, havia a necessidade de viver por procuração uma vida que parecia muito fora de meu alcance... Talvez por isso nos afastamos quando eu comecei a viver minha própria vida, profissional e amorosa, e a ter meus próprios sucessos. Culpei-o por não estar próximo quando precisei dele, mas também não estive por perto quando ele precisou. Hoje culpo-me por julgá-lo pelo que dizia, em vez de aceitá-lo pelo que é.
E assim cartas, que já ninguém mais escreve, me lembram de uma parte da minha vida que será sempre um tesouro, encolhendo a cada ano, soterrado pelo restante dos anos vividos, mas por isso mesmo mais precioso.


Um comentário:

  1. Vc e minha mamis merecem o Jabuti, pela lentidão dos livros que não saem... =-)

    ResponderExcluir